O vapor de Cachoeira não navega mais no mar: a Companhia Bahiana de Navegação
A navegação a vapor representa os tempos de riqueza da Cidade Heroica do recôncavo baiano.
*Giovane Alcântara
Em meus passeios tardais para observar o pôr-do-sol na orla de Cachoeira um local em específico me chama atenção: o prédio da Companhia Bahiana da Navegação a Vapor.
A localização estratégica e o engajamento econômico — da produção à exportação de produtos, como por exemplo, a cana-de-açúcar e o fumo, fizeram da Baía de Todos os Santos um lugar propício para a inserção da navegação a vapor no Estado da Bahia.
Outro fator preponderante para a criação e instalação da Companhia eram os movimentos sociais e armados que ocorriam em todo país. Na Província da Bahia podemos citar a Revolta dos Malês em 1835, a Sabinada em 1837 e os movimentos armados em Cachoeira e São Félix. No restante do País acontecia a Revolta dos Cabanos, a Farroupilha e a Balaiada no Maranhão. Assim, a Companhia Bahiana surge em um momento que era preciso restaurar, também, a ordem social e unificar o Estado.
Fundada em 1836, por João Diogo Sturtz, a Companhia Bahiana de Navegação a Vapor estabeleceu a regularização do serviço de navegação e a representação dos interesses de capitalistas ingleses. O contrato concedido a empresa possuía duração de 35 anos e estabelecia que um 5º vapor deveria ser acrescentado à frota no período de 2 anos a partir da validação do contrato.
A navegação fazia três viagens semanais para Cachoeira, duas para a cidade de Santo Amaro e uma para a cidade de Nazaré e possuía quatro vapores: Catharina Paraguassú, Todos os Santos, Bahia e o São Salvador. O vapor Caramuru foi incorporado a linha em 1842, cumprindo o quê estava no contrato de concessão.
As três cidades em que o vapor circulava, representavam importantes centros da economia baiana. Cachoeira como zona produtora de cana-de-açúcar e fumo; Santo Amaro como grande detentora de engenhos de cana-de-açúcar e produtora de aguardente, além de ser ligação aos centros comerciais de Salvador e o sertão baiano e Nazaré como produtora de açúcar e fumo.
A companhia não resistiu a péssima administração e o declínio da economia. As denúncias de má administração fez com que o Governo da Província rescindisse o contrato com a Armand Hadfield & Cia e iniciasse um novo contrato com a agência de Guilherme Augusto Bieber, que não conseguiu recuperar os serviços, o patrimônio e a qualidade da empresa, fazendo com que, novamente, o Governo quebrasse o contrato. Sem o apoio financeiro da Província, a Companhia Bahiana faliu.
SURGE A COMPANHIA BONFIM
Em 1847, a Companhia Bonfim adquire os bens da sua antecessora e assume o transporte marítimo e fluvial na Baía de Todos os Santos. A empresa tentou conseguir do governo subsídios para se manter durante um período de 20 anos, mas teve o pedido negado. A Bonfim enfrentou os mesmos problemas da Companhia Bahiana e os serviços eram iguais. Assim, em 1849, a empresa conseguiu subsídio governamental para operar.
A Bonfim possuía 3 vapores: O Bahia, O Catharina Paraguassú e o Bonfim e, a partir de 1852, adquiriu o seu 4º vapor: o Dom Pedro II. Além das linhas internas que eram feitas, a Bonfim deveria fazer linha duas vezes por mês para a cidade de Caravelas passando por Ilhéus — sob a justificativa de levar progresso ao Sul do Estado; a Companhia deveria, também, fazer uma viagem por mês para a cidade de Penedo em Alagoas.
Além da justificativa progressista, o apoio provincial à Bonfim veio na tentativa de recuperação econômica; o pensamento era de que com uma linha intermediária as províncias da Bahia, Alagoas e Sergipe se desenvolveriam pela troca de produtos comerciais, a valorização das terras assistidas pela navegação a vapor e pela migração.
Muito se passou, até que em 1855, as principais cidades do Recôncavo foram atingidas por uma crise de cólera[1] que matou, aproximadamente, 25 mil pessoas e em 1859 uma seca que agravou a economia do estado. A Bonfim, então, declara falência.
COMPANHIA SANTA CRUZ E O RENASCIMENTO DA BAHIANA
Em meio a tudo isso, surge, no dia 13 de maio de 1853, a Companhia Santa Cruz. A empresa surgiu depois que o Ministério do Império concedeu ao vendedor de escravos, Antônio Pedrozo de Albuquerque, o direito a explorar as linhas entre Maceió, Sergipe e Salvador e também a linha para o sul do estado até a cidade de Caravelas. A Companhia Santa Cruz possuía três vapores: Paraná, Santa Cruz e Cotinguiba, que operavam fazendo duas viagens por mês para cada cidade.
A empresa começa a falir depois dos ajustes de preços, das alterações contratuais com o Estado — esse passou a ter mais controle sobre a Companhia Santa Cruz para evitar possíveis abusos — , da seca e da crise de cólera que atingiram as cidades do Recôncavo durante 4 anos. Pensando nisso, em 1858, Antônio Pedrozo se une à outros empresários do ramo da navegação, compra a Companhia Bonfim, promove a união com a Santa Cruz, e, assim, ressurgia a Companhia Bahiana de Navegação a Vapor.
A Companhia agora possuía 8 vapores: Cotinguiba, Paraná e Santa Cruz que pertenciam à Empresa Santa Cruz; Pedro II, Cachoeira e Progresso que pertenciam à Companhia Bonfim, e dois novos vapores adquiridos na Inglaterra. Tempos depois foi adquirido o vapor Paraguassú. A nova Companhia Bahia expandiu sua frota marítima mesmo em momento de crise e passou a ter 9 vapores.
Em 1861, a Companhia vende o vapor Pedro II, por ele ter pouco espaço para o carvão e carga, já o vapor Paraná se encontrava quebrado e sem possibilidade de conserto. Desse modo, procurando substituir os dois vapores que não estavam em circulação, a empresa encomendou, na Inglaterra, o vapor de nome Dois de Julho e proporcionou a reforma do vapor Cachoeira, que teve seu nome alterado para Jequitaia.
Os diretores da Companhia, iludidos com o contexto mundial e nacional[2], afundaram a Companhia Bahiana em dívidas. O processo de expansão das linhas e da frota e a criação de novos trajetos não deram para a empresa os resultados esperados.
A Bahiana entra em seu novo processo de decadência com crises que agravaram as exportações e a sua situação financeira, além, claro, das dificuldades em recuperar os vapores que já demonstravam problemas. As reclamações sobre o serviço prestado pela Bahiana chegavam a todo o momento; as principais eram relacionadas ao contingente de trabalhadores, ao tempo de embarque de mercadorias e ao tempo de viagens.
A Companhia também sofreu com os naufrágios de suas embarcações — agora em número bem maior, um total de 17. O primeiro vapor a naufragar foi o Valéria Sinimbú, em 1874, o segundo foi o vapor Paulo Afonso, em 1875, o vapor Dantas foi o terceiro a naufragar, no início de 1880; em 1881, um quarto vapor naufraga em Barra de Aracajú, era o vapor Alagoas. O vapor São Salvador, depois de receber uma caldeira nova, colide com o vapor inglês Memnom.
Dentre tantos naufrágios, aconteceu no dia 26 de Janeiro de 1887, a explosão da caldeira de um dos vapores, enquanto fazia a viagem Salvador/Cachoeira. A fatalidade matou 27 pessoas.
A NACIONALIZAÇÃO DA COMPANHIA
A Companhia Bahiana passou por um processo de nacionalização em 1882. Acionistas brasileiros compraram todas as ações da empresa de Navegação, convertendo o capital para a moeda nacional e decretando o fim da Companhia Ingleza Bahia Steam Navigation Company Limited — empresa responsável até então pela administração da Companhia Bahiana de Navegação a Vapor.
Por conta dos acidentes e naufrágios novas regras de segurança foram estabelecidas. Agora a empresa era obrigada a possuir em suas embarcações coletes salva-vidas, embarcações menores e embarcações de salvação. E cada vapor passaria, anualmente, por 3 vistorias (1 vistoria a cada 4 meses).
Nesse período já existia, na província da Bahia, a Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco, com uma linha que possuía 234km de extensão — de Salvador à Serrinha. A Estrada de Ferro Central da Bahia, que possuía duas seções: uma de 84km ligando São Félix à Taperoá e outra de aproximadamente 45km ligando Cachoeira à Feira de Santana. Existia, também, a Companhia Tram Road de Nazaré que fazia linha até a cidade de Santo Antônio de Jesus e a Estrada de Ferro de Santo Amaro, que fazia linha até a cidade de Bom Jardim.
Dessa maneira, as companhias de trem e a Companhia Bahiana de Navegação a Vapor trabalhavam de maneira conjunta — com exceção da linha Salvador-Serrinha— ou deveriam trabalhar. O escoamento dos produtos não funcionava de maneira agradável, já que os vapores e os trens não possuíam os mesmos horários de chegada, trazendo prejuízos aos comerciantes da região, que tinham que esperar dias para ter seus produtos escoados. Assim, em 1889, o governo exigiu da Companhia Bahiana mais uma linha para Cachoeira de maneira que coincidisse com os horários do trens.
A Bahiana empregava 262 tripulantes, 185 pessoas nas oficinas e estaleiros, 25 funcionários no escritório central. A Companhia era uma das maiores no ramo da Navegação e, mesmo com todos os problemas, conseguia subsídios provinciais suficientes para se manter.
Os interesses públicos e privados se cruzavam e a relação estabelecida não era das melhores. Os subsídios destinados à Companhia Bahiana foram diminuindo com o decorrer dos anos e os problemas novamente apareceram: péssima qualidade de serviço oferecido e péssimas condições dos vapores em circulação. O maior problema da empresa era as inúmeras solicitações feitas ao governo, como por exemplo, a redução do número de viagens ou o aumento de subsídios.
Com uma empresa em declínio, os acionistas resolveram então vender os bens para a Companhia Llody Brasileiro. A Llody foi fundada em 1890 por Artur Silveira, conhecido como o Barão de Jaceguai.
A história da Companhia Bahiana de Navegação a Vapor, enquanto empresa autônoma, se encerra quando ela se torna uma seção da Llody Brasileiro, que administrou a empresa até 1905, quando ela foi comprada pelo Governo da Bahia.
Nos dias atuais, o espaço que servia à Companhia Bahiana de Navegação a Vapor se encontra em processo de deterioração, tomado, principalmente, por árvores. O prédio, no entanto, demarca o período áureo da economia baiana e dos “interesses progressistas” pós-abolição e nos faz lembrar de uma Cachoeira que era um importante pólo comercial, político e econômico da Bahia.
O espaço passa despercebido aos olhos de qualquer um. Sua porta em um tom verde-desbotado trancada com um cadeado, peças espalhadas pela calçada e janelas, e, provavelmente, um novo dono (esse menos poderoso que os capitalistas ingleses) constroem juntos a representação da modernidade, já que no local, atualmente, funciona uma singela oficina de motocicletas.
Oh, triste recôncavo, quão dessemelhante!
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*Giovane Alcântara é estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
Bárbara Lima é estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
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Esse texto faz parte de uma seção de textos intitulada “Cachoeira berço, Cachoeira lápide”, que trata sobre a cidade de Cachoeira, no Estado da Bahia. Confira o primeiro em: https://medium.com/@giualcantara/a-progress%C3%A3o-hist%C3%B3rica-e-a-boemia-de-cachoeira-se-cruzam-rua-25-de-junho-41fa7f79c736
“O vapor de Cachoeira não navega mais no mar” é um verso presente na música Triste Bahia cantada por Caetano Veloso. Você pode ouvir em: https://www.youtube.com/watch?v=_amoeHb1xAY Acesso em: 24 de mar. de 2018.
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[1] É uma doença bacteriana que causa, sobretudo, diarreia grave e desidratação. Normalmente é transmitida por água ou alimentos contaminados.
[2] Ocorria, nesse período, a Guerra da Secessão nos Estados Unidos da América, a expansão das indústrias fumageiras e algodoeiras , o crescimento da economia cacaueira e das relações provinciais.
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Para a construção desse texto foram usadas como referência bibliográfica o livro: “O Rio Paraguaçu e sua navegação” de Pedro T. Pedreira, publicado em 1981 pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a tese intitulada “Uma contribuição à história dos transportes no Brasil: a Companhia Bahiana de Navegação a Vapor (1839–1894)”, de Marcos Guedes Sampaio, publicado em 2006 pela Universidade de São Paulo (USP).